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24.9.08

Caindo no espaço

O ônibus já estava descendo a ladeira que dava acesso ao centro da cidade, o destino principal dos seus passageiros, quando o motorista começou a sentir dificuldade em fazer o veículo subir a ladeira.

Ele pensou que tivesse passado a marcha errada ou qualquer coisa sem importância, porém não havia percebido o alvoroço entre os passageiros causado por alguma coisa que se passava do lado de fora.

Olhou pela janela lateral e finalmente se deu conta do que estava acontecendo. Todos os carros e pessoas que estavam na rua começaram a flutuar e ele também, no mesmo instante em que percebeu, começou a se sentir mais leve e ver seus pés longe do chão.

No início, ele e os passageiros do ônibus e todas as coisas do lado de fora só flutuavam lentamente. Alguns assustados, outros sorrindo, todos com os olhos arregalados se olhavam e se perguntavam o que estaria acontecendo.

E o motorista sorria ao se sentir mais leve, lembrou do sonho de voar na infância, a felicidade e a liberdade de sua juventude, o amor à sua mulher... Assim todas as coisas boas da sua vida, passavam por ele, como se aquilo tudo fosse algum delírio.

Num pequeno instante ele acordou, e viu tudo sendo puxado para cima. O ônibus subia para o infinito, mas era como se estivesse caindo, desarmado e pesado. O motorista via o céu azul do dia se transformar em escuridão e o planeta azul se afastava cada vez mais mergulhado no espaço. E então tudo se apagou.

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Ela andava apressada. Naquele calor do meio dia, após uma manhã inteira de aula, suava agarrada aos cadernos e o peso da mochila levava metade das forças daquela jovem magrela, bem que poderia diminuir.

Pensou em se livrar daquilo tudo, chegar logo em casa e tomar um banho, ai se não demorasse tanto...

Quando passou por dentro do túnel sentiu o alívio da sombra e da ventilação que havia ali. Mas logo percebeu que algo estranho acontecia, ela sentia alívio no peso da mochila também e em seu peso. Na verdade ela começou a se ver longe do chão. Estaria delirando pelo calor?

Ao seu redor viu que haviam outras pessoas flutuando, e que os carros também flutuavam, se deu conta então de que estava acontecendo não era loucura ou ilusão, era fato.

Era sério, real. E daí?

Ver tudo voando e voar também a divertia, ela ria daquilo tudo. Mas não sabia o que estava realmente acontecendo e isso a preocupava.

De repente, uma força a puxou e a fez cair. Mas não no chão, foi no teto do túnel que ela se viu deitada após alguns minutos de perda de consciência.

Levantou-se, e ainda tonta, foi procurar as outras pessoas que estavam todas desacordadas, viu os carros com suas rodas para cima e seus passageiros presos nas latarias amassadas.

Foi tentar acordar todos, que para ela estavam desmaiados, mas depois de muita insistência, começou a sentir medo, e viu que estavam todos mortos. Após se dar conta disso, ela se desesperou e correu para bem longe, pois o túnel era enorme, mas para onde ela ia tinha alguém que não acordava ao seu chamado e nem respirava se ela tentasse reanimar.

Duas crianças, jaziam mortas o lado de um carro cheio de pessoas que tentavam sair e ficaram presas metade do lado de fora e metade do lado de dentro.

Ao chegar do outro lado do túnel, sentou para ver aquela cena bizarra. O céu era o precipício lá embaixo, o asfalto era o teto e mais à frente ela podia ver os prédios presos no asfalto como se quisessem cair para o céu.

Incrível e ao mesmo tempo horrível. Ninguém vivo ao lado dela, pra ver aquilo tudo e chegar a alguma conclusão sobre o que aconteceu.

Deduziu que todos foram jogados no infinito, mas não conseguia entender porque só ela ficou viva.

Começou a anoitecer, e ela passou dois dias sentada naquele lugar sem que nada mudasse, às vezes chorava e pensava na sua família, não comia nem bebia nada, só observava.

Mas houve um momento em que não suportava mais a dúvida de saber o que aconteceu, e se jogou no precipício azul do céu em pleno meio-dia.

Mergulhou como se fosse cair numa piscina, e caiu em um lugar tão azul quanto, a voar de braços abertos numa subida sem volta. O Espaço se revelava, as estrelas brilhavam ainda mais, seu corpo estava em órbita como um satélite. Aquilo tudo era extraordinário. No entanto, não sabia onde iria parar.

E já estava fraca demais para continuar vendo aquela cena, queria parar, queria parar! Não parava.

Seus olhos não conseguiam mais continuar abertos, e os fechou... Apesar de não fazer esforço seu corpo começou a perder a força... E se deu conta de que iria cair sem nunca mais parar.

Abriu os olhos e se viu no chão do quarto, tinha caído da cama. Assustada, levantou-se aliviada. Deitou na cama e não deu muita bola para o sonho que teve, então dormiu.


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O motorista não conseguiu acordar depois de ter capotado com o ônibus naquela ladeira. Desmaiou, perdendo muito sangue e morreu enquanto sonhava flutuar no espaço e lembrava de todas as coisas que amava em sua vida.


23.9.08

Ninguém

Não há razões, não há motivos.

Dentro das estrelas só há o brilho.
E o fogo que faz queimar sem vontade ou ordem,
nos faz amar sem querer,

nos faz queimar sem saber
que não somos nada na imensidão.
Somos da poeira do espaço
apenas um grão.